Junte-se:
Um rapaz novo apaixonado
A menina jardineira
Uma moto serra
Uma encomenda
Ele quer mostrar trabalho e tira-lhe a parte mais pesada. Agarra-se com afã à moto serra para cortar os galhos mais grossos. A ideia foge-lhe para outras paragens e a lâmina nova e solidária acompanha-o. Acabo de pôr a chave na ignição, olho pelo retrovisor e vejo duas almas rodopiarem atrás do meu carro como galinhas sem cabeça. A serra no chão. Saio, o sangue esguicha e suja-me a fachada de casa. Ele continua a rodopiar, grita por uma ambulância e ela dispara a correr rua fora. Olho-lhe para o braço, galgo o muro e atropelo quem vejo à frente. Agarro na farmácia e no frasco de água oxigenada. Ele foge, eu grito não é álcool e agarro-o. Já o Hugo chegou às traseiras, não olhes, ele olha, dá uma volta sobre si, tenta fugir mas regressa de imediato, a noiva regressou rodopiante com os seus uivos. Vêm-se os ossos, os tendões, Hugo vai ao quarto do António e traz a caixa das luvas (são muitos os piercings), atiro água oxigenada para o buraco, não devia ter escrito sobre o borrego, passou-se há 10 anos e eis-me outra vez de frasco na mão, o moço amarelo, o Hugo transparente, pressiona aqui, bloqueia esta veia e esta artéria, ela para o 112 aos gritos, manda-os para a outra parte e desliga, atira-se para os pés dele e diz amo-te, ele eu também, tanto sangue, meu amor, não, é só da água oxigenada, eu a saber que artéria estava cortada, Hugo não te vás abaixo, faz pressão enquanto em ponho compressas e ligo esta merda para estancar a hemorragia, o moço descompensa, tento evitar o choque, ela continua a chorar, o telefone toca, é outra vez do 112, sim, já estou a tratar disso, tive que fazer garrote por compressão, não faça isso, faço sim, vá para o caralho eu é que cá estou, e não venham que não dá tempo, eu própria o levo, sim, é o melhor, Hugo já está, começa a descomprimir muito devagar, o moço vomita, vai outra vez ao quarto do António e traz-me uma toalha, por favor, embrulho-lhe o braço, deito-o no banco de trás e saio não disparada, pela 125. Não tenho travões, não tenho seguro, não tenho nada, o carro continua apreendido, e temos que parar para pôr gasóleo, porque a boia está avariada e nunca sei quantos litros tenho. Os clientes da bomba cedem-nos a vez, lá vamos nós.
Vai para Faro, tem a artéria cortada. E o polegar? Não consigo ver com tanto sangue, aqui no SAP não há pinças para “clampear” a artéria, se houvesse eu conseguia tratar de tudo, mas tem que ser operado lá, que é onde há clamps. Chega a unidade de Suporte Avançado de Vida, a ambulância amarelo limão, a médica e o enfermeiro com melhores equipamentos que o próprio SAP, parecem alpinistas de documentário, mochilas, aparelhos, tubos e computadores, levam 20 minutos para o estabilizar. Por fim está o médico e os enfermeiros comigo, nas traseiras a fumar e a relaxar depois do susto. Lá dentro estão os do INEM a estabilizar o rapaz para o transporte. Sai envolvido em prata amarela, só lhe falta os fios de ovos, para ser um D. Rodrigo. Em casa, o Hugo consegue recolher metade das compressas que ficaram espalhadas pelo chão, e corre para o quarto de banho, vomita e vomita, toma duche e cai para o lado. Chega a vizinha de trás, vê a sangria, as luvas lilases, os copos de água, e telefona-me. Estou dar chá de camomila à noiva, enquanto esperamos a partida para Faro. O médico diz-me que o garrote por compressão foi o melhor que se pôde fazer por ele.
Acabo de receber notícias de Faro, coseram-mlhe a artéria, coseram-lhe os dois tendões que foram à vida, vai ter alta e tem que lá voltar na 3ª para a Fisio.
Uma tarde bem vivida.
Grande Hugo!